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domingo, 22 de abril de 2012

"Entrevista"


Uma Conversa Apaixonada Sobre Paulo Freire

Por Fabiana Barboza
Ao chegar no 12º andar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco, fiquei esperando pela nossa entrevistada. Estava ansiosa porque era uma pessoa pela qual tenho muita admiração: Ana Maria Araújo Freire. Enquanto esperava, muitos pensamentos me vieram: Ana Maria, mais conhecida como Nita, foi casada com Paulo Freire nos últimos dez anos de sua vida. Só que ela é mais do que sua viúva, é atualmente responsável por toda a obra de Freire e, mais do que qualquer outra pessoa no mundo, conhecedora de seu pensamento, da convivência com ele. E agora estava lançando o livro Paulo Freire: uma história de vida, motivo pelo qual eu estava lá. Imagine se eu, por causa do meu nervosismo e da admiração pessoal que tenho por toda a obra de Freire, fizesse perguntas sem propósito e decepcionasse minha entrevistada? Fiquei mais nervosa ainda. Quando Nita chegou, minhas mãos ficaram geladas. Só que, durante a entrevista, diante daquela mulher de fala mansa, com uma admiração incontestável e apaixonada por Paulo Freire, pude perceber que ela é uma pessoa simples, como acredito que Paulo tenha sido. E meu nervosismo inicial deu lugar novamente à paixão, com todo respeito, que também sinto por Paulo Freire. Adiante, os melhores trechos de uma entrevista apaixonada.
Construir Notícias – Como surgiu a idéia de fazer o livro?
Nita Freire – Ela surgiu do desejo que eu tinha de mostrar Paulo como uma pessoa humana. O livro tem todo o rigor necessário, mas, ao lê-lo, pode-se perceber que ele foi escrito também com meus sentimentos, com minha alma. Todos os fatos relatados podem ser comprovados, mas não consegui deixar de lado a nossa convivência, que foi intensa, profunda e, acima de tudo, amorosa. E a partir dessa convivência amorosa é que tive o desejo de também mostrar sua maior lição: a grandeza de Paulo em amar, pois o grande, o maior patrimônio que eu tive e tenho até hoje é o amor de Paulo Freire. Além disso, tive o desejo de mostrar o pensamento de Paulo e sua compreensão de educação crítica e libertadora. Paulo via a educação com seriedade, mas também com alegria. Então, não se pode reduzir o pensamento de Paulo ao método. O pensamento e o método não podem ser confundidos. Minha idéia fundamental é levar o leitor a fazer a mesma leitura que eu tenho sobre Paulo.
Construir Notícias – Qual foi o momento mais emocionante ao escrever o livro?
Nita Freire – Foi exatamente a parte em que eu escrevo sobre a gentidade de Paulo. Tinha momentos em que eu escrevia e ia chorando, escrevendo e chorando. E era como se fosse assim: o meu braço e minha cabeça. Ao escrever, vinha uma sensação de divisão em mim. O que eu sentia, o meu coração e a minha alma era me entregando a ele, vivendo com ele. Tantos momentos bonitos, profundos, plenamente humanos que nós vivemos juntos. Então, foi a parte que me tocou mais. Muito mais até do que ver as injustiças que Paulo recebeu, quando houve o Golpe Militar de 64, que também me fez mal, e eu comecei a pensar mais seriamente que Paulo, se não tivesse saído do Brasil, poderia ter sido morto pelo Regime Militar. E, ultimamente, até hoje de manhã, eu falei, depois que vi Zuzu Angel e Herzog, esses filmes todos que retratam a tortura no Brasil, que acredito, com toda certeza, que Paulo teria sido morto pelo Regime Militar.
Construir Notícias – Qual a grande contribuição desse livro para os educadores?
Nita Freire – Eu acho que ele mostra um Paulo amoroso, um Paulo real, um Paulo concreto, um Paulo alegre, um Paulo de bem com a vida, bem-humorado e que, mesmo nas horas de brincadeiras e de bom humor, o respeito com o outro era um princípio do qual ele não abria mão em nenhum momento de sua vida. Eu acho que vai mostrando como a gente pode ser, ao mesmo tempo, muito sério, muito rigoroso naquilo que faz e um homem alegre, bem-humorado, de bem com a vida. Um homem que sonhava vendo as nuvens andando no céu, como ele admirava a Lua, como ele admirava a dança popular, a música, sobretudo a música nordestina, como ele amava as pessoas que faziam o boneco de barro ou o santo de madeira. Mostra como Paulo foi aberto a amar sem discriminação de gênero, de opção sexual, de religião, de etnia. Paulo não tinha preconceito. Então, essa é uma das qualidades fantásticas. A capacidade de tolerar, de ter tolerância com o diferente, com as culturas diferentes. Porque não existe cultura superior ou inferior, existem culturas diferentes. Existem traços culturais que não são bons nem para as pessoas que os têm nem para a sociedade como um todo. Mas a cultura, a forma de andar, de comer, de vestir, de interpretar o mundo, são formas culturais que Paulo respeitava e amava. E eu penso que isso é uma grande lição para os professores e professoras e que eu acho que deixo muito, muito explícito em todo o livro. A compostura de Paulo, o respeito diante do Coronel Ibiapina, inquirindo-o, o maltratando-o, e ele não perde a paciência, mas também não se deixa intimidar. Paulo nunca foi um homem de agredir, mas ele não se deixava ser agredido. E quando, já no Chile, ele é convidado a ir para os Estados Unidos e disseram: “O senhor precisa tirar um passaporte”, então ele foi até o cônsul dos Estados Unidos no Chile, que foi indagando-o sobre inúmeras coisas. Então, Paulo disse: “Eu só respondi um inquérito policial militar apenas no meu país”. Foi quando o cônsul deu o visto para Paulo. Isso reflete a postura de Paulo em todos os momentos da vida: Paulo conseguia ser respeitado porque respeitava.
Construir Notícias – Você dedica o livro aos pais de Paulo e ao próprio Paulo. Por que você dedicou o livro especialmente aos pais dele?
Nita Freire – Os pais de Paulo ensinaram a ele a coisa mais importante da vida: a ética. E a vivência deles se baseava numa compreensão de ética diferente: a ética para a vida mesmo. A partir dos pais dele é que Paulo acreditava na possibilidade de construir um país realmente democrático, com oportunidades iguais para todos. A família dele e a minha (a dela porque, quando o pai de Paulo morreu, a mãe de Paulo não podia pagar seus estudos, então os pais de Nita deram a possibilidade de Paulo estudar no colégio que era deles) tiveram papel fundamental na formação do caráter de Paulo. Os meus pais deram a ele, sobretudo, a possibilidade de estudar. Já a mãe dele era uma pessoa singular. Hoje em dia, é muito comum os pais registrarem tudo no álbum de bebê, mas na década de 30, período do nascimento de Paulo, isso não era uma prática muito comum e, mesmo não sendo comum, a mãe dele registrava tudo em um livro. Nesse livro, podemos perceber a importância que os pais dele tiveram: não cortaram traços da personalidade de Paulo, especialmente a teimosia. Na época, era muito normal os pais cortarem esse tipo de atitude das crianças, só que os pais de Paulo tiveram a sensibilidade de respeitar a individualidade dele. E isso contribuiu significativamente para ele ser o homem que foi.
Construir Notícias – O que Paulo Freire diria diante do seu livro?
Nita Freire – Ah! Leiam, leiam, minha mulher escreve bem (risos).
Quando, nos primeiros dias de abril de 1997, Paulo foi entrevistado por Edney Silvestre, em Nova York, poucos dias antes de sua morte, ele nos presenteou com uma surpreendente resposta “molhada” de sua humildade e amorosidade, com a qual, certamente, não por coincidência, o autor quis encerrar essa entrevista e o próprio livro que publicou posteriormente:
— Professor, como o senhor quer ser conhecido?
Ele respondeu sem titubear:
— Essa é ótima. Essa é ótima. Essa é uma pergunta muito gostosa. Eu até vou aprender a fazer esta pergunta a outras pessoas. Sabe que eu nunca tinha pensado nisso? Mas agora que você me desafia, talvez a minha resposta seja um pouco humilde. Eu gostaria de ser lembrado como um sujeito que amou profundamente o mundo e as pessoas, os bichos, as árvores, as águas, a vida.

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